Resenha: Sol das Almas, de Hermilo Borba Filho
Começo esse texto falando do motivo que me levou a ler Sol das Almas. Bom, eu ganho muitos livros, compro muitos livros, especialmente em sebos. Adoro edições antigas e de capa dura. Com o tempo acumulei livros que depois não fizeram nenhum sentido pra mim, e os fui deixando de lado, sempre lendo os lançamentos, os indicados por amigos, e deixando os "menos conhecidos" pra depois. Esse ano resolvi mudar essa postura e optei por ler os livros que não estou afim de ler. Sendo assim, Sol das Almas finalmente foi lido. Antes dele tentei ler A Imaginária, de Adalgisa Nery, mas não consegui. É o segundo livro que abandono em toda minha vida de leitora. Já Sol das Almas foi uma grata surpresa. Vamos lá!
Editora: José Olympio
Edição: 1 / Ano: 1974
Páginas: 234
☆☆☆
Sinopse: Nesse livro conhecemos Jó, pastor protestante que vive no interior de Pernambuco. Além de pastor, Jó também é professor de inglês em uma espécie de cursinho preparatório. Casado com Estela, leva uma vida tranquila e cômoda. Após cinco anos vivendo em Palmares, Jó não tem do que se queixar. Sua vida se divide entre a igreja, o colégio e a caça, um de seus hobbys. Amigo de todos, até mesmo do padre Alípio, com quem gosta de jogar gamão. Olhando assim, até que a vida de Jó parece tranquila e simplória. Seria, se Jó não fosse dominado pelo demônio do sexo.
Logo no início é possível identificar que Jó é um libidinoso hipócrita, que obriga a esposa a certos atos para satisfazer sua luxúria. Em uma de suas idas a Recife, percorrendo os sebos, Jó encontra um livro de capa verde. Ao abri-lo, por acaso, lê o seguinte trecho:
"Era um lindo quadro, vê-la adormecida, ainda repousando de lado. O único lençol que nos cobria tinha escorregado durante a noite; ela estava completamente nua, em toda a sua beleza e mocidade. Tinha os pés pequenos, as pernas bem feitas, coxas e nádegas mais delgadas que as de Camilla, pois são partes que se desenvolvem com a idade. Os seios eram soberbos, mais rijos e mais belos que os de Camilla. Contemplei a penugem negra que rodeava a gruta, os pelinhos eriçados que se perdiam entre as nádegas. Toda a sua carne tinha um tom de jambo peculiar às francesas do sul".
Jó acaba cedendo ao desejo e compra o livro, que mantém trancado na gaveta da escrivaninha. Assim que Jó lê o livro pela primeira vez em casa um morcego aparece no quarto, e a cena passa a ser repetida todas as vezes que o livro é folheado, cada vez voando mais perto. Ao terminar a leitura o morcego some. Não dá pra saber se o morcego realmente existe ou é um delírio de Jó, mas fica evidente sua ligação ao pecado que Jó, como pastor, está praticando. Então ele decide queimar o livro e abrir mão de sua libidinagem. Uma vez que Estela não pode ter filhos, o ato sexual não tinha objetivo.
Nessa luta entre pecar ou não pecar, a vida de Jó começa a ficar bem complicada. Ao mesmo tempo que Estela fica grávida e tudo parece estar entrando na santa paz de Deus, a luxúria de Jó volta com tudo, e dessa vez focada em uma mulher casada, o que compromete seu casamento, sua posição de pastor e cidadão de bem em uma cidade pequena.
Muito bem escrito, muito bem narrado, intercalando a narração entre primeira e terceira pessoa, Sol das Almas é um drama psicológico muito denso. Mostra a fraqueza humana e até que ponto ela pode chegar, virando uma doença mental, uma obsessão. Jó é uma pessoa (quase) normal, cheio de defeitos, pecador, tentando melhorar, sendo medíocre, sendo impuro, sendo tolo, sendo como qualquer um de nós. Jó dá sermões em sua igreja sobre pecados que ele pratica. E quantos não são assim? Quantos vivem uma falsa santidade? Não sabemos, mas sabemos que ninguém é santo. É isso que Sol das Almas escancara. Jó e os demais personagens são muito bens construídos e descritos, pessoas que vemos por aí até com uma certa facilidade. O livro traz alguns trechos que causa desconforto, como quando Jó descreve a forma que quase estuprou sua esposa (lembrando que todo ato sexual praticado sem consentimento é considerado estupro).
Essa edição da foto é a única que conheço, em capa dura azul com detalhes em dourado. É o volume 26 da coleção Literatura Brasileira Contemporânea, que conta com 30 volumes (possuo vários exemplares dessa coleção e espero resenhar todos em breve). No inicio tem uma foto do autor e uma pequena biografia. As folhas são de boa gramatura e amareladas. O livro é dividido em 19 capítulos, e cada um representa uma estação de trem que vai de Palmares, interior de Pernambuco, até Recife, capital do estado. Em cada estação o narrador nos descreve o local, a paisagem, as pessoas, de forma minuciosa, quase machadiana. É possível fechar os olhos e ver a cena. Hoje em dia não temos mais trem para ir a Recife, mas tive essa experiência na infância e foi uma boa lembrança ao ler essas descrições.
Hermilo Borba Filho nasceu em Palmares (PE), em 08/07/1917. Escritor, dramaturgo e fundador do Teatro Popular do Nordeste. Sua carreira iniciou em 1930 como ator, ponto e diretor na Sociedade de Cultura Palmarense. Começou a escrever em 1939. Os Irmãos Karamazove, de Dostoievski; Ulisses de Joyce; À Procura do Tempo Perdido, de Proust; Guerra e Paz, de Tolstoi e Dom Quixote, de Cervantes, foram os livros que mais o impressionaram. Colaborou em vários jornais e revistas. Toda sua obra foi organizada e encontra-se na Fundação Joaquim Nabuco. Trata-se de uma bibliografia contando com 245 itens entre obras próprias e obras sobre o autor. Faleceu em 1976.
Foi uma leitura bastante interessante pra mim, que não conhecia a obra e nem o autor, mesmo sendo pernambucana. Quero poder ler muitas outras obras locais tão boas quanto essa.
E você, costuma ler autores locais? Quais foram os melhores títulos que você já leu nesse sentido?
Boa reflexão e até a próxima!