Resenha: A Estrela Sobe, de Marques Rebelo
Andei furando meu objetivo de ler apenas os livros que não chamaram minha atenção, mas já me policiei e li o nacional "A Estrela Sobe" (mais um da coleção "Literatura Brasileira Contemporânea"). E como vem acontecendo com praticamente todos que já li, esse também me surpreendeu. Conhecer a personagem principal desse livro despertou em mim várias emoções. Vou tentar descrever abaixo tudo que fez dessa leitura uma das melhores do ano.
Editora: José Olympio
Edição: 4 / Ano: 1974
Páginas: 181
☆☆☆☆
Sinopse: No livro mais aclamado de Marques Rebelo, A estrela sobe, Leniza Máier é uma jovem pobre em busca de sucesso na grande fábrica de sonhos da época: o rádio. Para conseguir seus objetivos utiliza de todos os meios – a ponto de recusar o amor verdadeiro e aceitar outros, menos sinceros. Um saboroso retrato da famosa era do rádio e da cidade do Rio de Janeiro dos anos de 1930-1940.
Nessa leitura conhecemos Leniza, uma carioca da gema, que mora com sua mãe em uma casa de pensão de onde é tirado o sustento para que as duas sobrevivam. Leniza é uma moça muito bonita e de comportamento peculiar, que é observado logo cedo na escola e se torna bem evidente ao entrar na adolescência, dada a certas liberdades que na sua época não eram bem vistas. O livro é ambientado no Rio de Janeiro da década de 30, mas a nossa personagem principal se mostra uma cabeça bem a frente desse tempo. Um dos hospedes da pensão, Seu Alberto, descobre em Leniza o dom do canto, e passa a incentivar o sonho de que ela pode virar uma grande cantora de rádio. Uma vez convencida disso, Leniza começa a dar os primeiros passos em busca desse objetivo. Entre o caminho correto e o caminho mais fácil, Leniza escolhe o mais fácil. Passa a se relacionar por interesse, usa de sua beleza para conseguir o que pretende, e finda por vender o próprio corpo. Uma escolha errada leva a outra. E quanto mais a estrela sobe e ganha o sucesso, mais Leniza afunda no lamaçal que criou.
- Espero muito, ora! Mais do que supões. Quero ser livre, Oliveira! Dispor de mim, você não compreende? Dispor de mim. Fazer o que entender.
- Ninguém é livre, Leniza. Tolice...
Fora-se a exaltação de segundos. Veio uma indolência brejeira:
- Então sou maluca, meu bem.
O livro é norteado pelo objetivo de Leniza em virar cantora e por seus relacionamentos. Vários homens estiveram com ela em escurinhos de cinema, mas apenas os seis relacionamentos mais importantes ganham foco. O primeiro é Astério, um hospede da pensão com quem ela namorou na adolescência. O segundo é Oliveira, um médico humilde e bondoso, que chega a lhe pedir em casamento. Embora Leniza demonstre amá-lo também, maquia esse sentimento que pode atrapalhar seus planos de sucesso. O terceiro é Mario Alves, que ajuda Leniza a conseguir espaço em uma radio (falida, diga-se de passagem), mas que não passa de um canalha casado conquistador. Ao terminar com Mario e não ter dinheiro para pagar suas dívidas, Leniza envolve-se com Dulce, uma colega da rádio. Um envolvimento puramente financeiro. Não estando mais com Dulce e precisando de dinheiro, Leniza se oferece a Porto, diretor da rádio, por um mês em troca de um determinado valor. Possivelmente o relacionamento mais lucrativo de Leniza, não no sentido financeiro, mas no quanto Porto (mesmo pagando) a trata com gentileza e dignidade. É nesse momento que vemos o melhor lado de Leniza. Tudo poderia terminar aqui, em amor. Mas Leniza se vê mais uma vez precisando de dinheiro e resolve ficar com Amaro, um senhor rico que já ambicionava bem antes de Porto. E assim Leniza enterra sua possível felicidade.
"Brilhavam estrelas quando acordaram. Dissipou-se a tonteira. Veio um amargo sentimento de perda, de diminuição. Sentia-se partida em pedaços. Procurou se reconstruir, pedacinho a pedacinho... Mas foi como uma criança de mãos tremulas querendo armar um puzzle - impossível! E insensivelmente as lágrimas rolaram. Mario Alves abraça-a:
- Meu amor...
Rolam as lágrimas. Por que, se foi ela mesma quem quis, quem consentiu? Por que, se ela sempre pensava naquilo como uma prova a que não poderia escapar? Só sabia que chorava, que se sentia pequena, insignificante, perdida. A coragem voltou num esforço - era tocar para a frente.
A primeira coisa que pensei ao terminar o livro foi que Marques Rebelo criou uma personagem muito humana. Leniza tem sua doçura, sua preocupação com a mãe, mas ao mesmo tempo não tem escrúpulos. Esse comportamento é justificado pela pobreza que a personagem sempre enfrentou, e pelas experiências na pensão, convivendo com todo tipo de gente, sem privacidade, com as portas dos quartos sempre abertas. Ao mesmo tempo que justifica, não vitimiza. Não consegui odiá-la ou julgá-la por sem assim. Acho que todos nós temos um lado mais feio, que nem sempre deixamos em evidência. Isso fica muito claro em uma conversa entre Leniza e Porto, quando ele lhe conta que uma tia fazia doces e uma das formas que usava tinha formato de coelho. Porém essa forma foi amassada, e ao servir o doce a tia escondia o lado feio do coelho com flores. E assim somos nós, escondendo nosso lado feio com algo mais bonito.
Sentia-se miserável, imunda, escória humana, campo de todos os pecados, lama, pura lama. Mas subira. Dois ou três degraus na escada do mundo. Via que já estava num plano bem acima, algumas figuras já ficavam menores, a miséria escondia-se já numa bruma longínqua. Mas precisava subir mais, sempre mais, custasse o que custasse.
Muito bem escrito, Marques Rebelo consegue apontar no livro problemas sociais e temas importantes como homossexualidade, status social e aborto. Ainda proibido no Brasil, os abortos são praticados de forma clandestina, sem higiene e sem suporte caso haja alguma complicação. Achei muito forte e corajoso o autor abordar isso no livro, principalmente para um livro de sua época. Sua escrita nada convencional nos mostra os pensamentos dos personagens entre parênteses, antes ou depois de alguma fala, e ainda nos dá um fim sem final. O autor justifica dizendo que a perdeu, assim como uma estrela que não podemos alcançar.
Obs.: As fotos desse post são de autoria de Lene Colaço. É permitido compartilhar, desde que as imagens não sejam editadas e dê os devidos créditos.
Obs.: As fotos desse post são de autoria de Lene Colaço. É permitido compartilhar, desde que as imagens não sejam editadas e dê os devidos créditos.
Olá Roberta!
ResponderExcluirRealmente, não há nada melhor do que ser surpreendido, e é o que mais está acontecendo com esses livros que eu "torcia o nariz". Passei também a entender o quanto é importante conhecer essas obras nacionais.
Muito obrigada pelo elogio e pela visita :)
Beijo!
Gsotei da proposta do livro. Achei diferente dos que já cheguei a ler.
ResponderExcluirParece ser muito bom mesmo! ^^
Olá, Isis!
ExcluirÉ uma proposta bem diferente (pelo menos diferente de tudo que já li até agora), e recomendo bastante.
Beijo!
Olá! Gostei muito do livro. É algo bem diferente do que costumamos ler. Nos dias atuais. Vou adiciona-lo na minha lista de leitura. bjs
ResponderExcluirOlá!
ExcluirAdiciona sim. Garanto que vai gostar ;)
Beijo!
Oi, ainda não conhecia esse livro mas parece ser uma leitura instigante e bem diferente do habitual e que aborda assuntos importantes. Vou anotar a indicação e espero ter a oportunidade de ler também, bjooooo
ResponderExcluirOlá Lorena.
ExcluirEu o achei uma leitura bem pertinente. Se tiver oportunidade, leia sim :)
Beijo!
Olá, Lene!
ResponderExcluirJá li algumas coisas de Marques rebelo, mas A Estrela Sobre nunca entrou na lista. Depois desse resenha, já até anotei no Skoob! haha
Primeiro, preciso dizer que suas resenhas são ótimas de verdade. Conseguimos ter um vislumbre muito bom da história e os sentimentos e conceitos desenvolvidos durante sua leitura.
Achei o enredo ótimo. Eu sabia que tinha um filme com a Betty Faria baseado nessa obra, mas nunca me aprofundei. Gosto do realismo na literatura brasileira, e fico imaginando as polêmicas na época da publicação, por abordar temas controversos.
Beijos!
Olá!
ExcluirEsse foi o primeiro livro que li dele, e gostei bastante. Pretendo disponibiliza-lo para um booktour, mas se quiser ler é só me dizer que vejo se consigo enviar para você.
Obrigada :) Eu sou muito critica, e sempre acho minhas resenhas "mais do mesmo", rs... Li algo sobre o filme e teu comentário me lembrou de pesquisar para assistir.
Muito obrigada pelo comentário tão gentil :)
Beijo!
Li tem tanto tempo.... lembro q fiquei bem marcado.. tinha uns 15 anos. VOU LER DE NOVO
ResponderExcluirÉ uma leitura que fica na gente, né? Eu leria novamente com certeza.
ExcluirBoa noite.Tem o filme de 1974 com a Beth Faria inteiro no YouTube.É muito bom e complementa a leitura do livro,o qual é ótimo.
ResponderExcluirOlá! Quando li fiz pesquisas para achar o filme, mas não achei completo. Vou pesquisar novamente. Obrigada pela indicação.
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