Resenha: Pílulas Azuis, de Frederik Peeters
A resenha de hoje é de uma HQ que quero ler a bastante tempo. Por já ter feito trabalho voluntário com soropositivos, e ter convivido de forma pessoal com portadores do vírus, esse assunto sempre me interessa. Adiei a leitura por certo receio do drama que obras como essa sempre carregam, mas essa não é uma história para nos fazer chorar.
Editora: Nemo
Edição: 1 / Ano: 2015
Páginas: 208
☆☆☆☆
Sinopse: Nesta narrativa gráfica pessoal e de rara pureza, por meio de um roteiro simples e de temas universais (o amor, a morte), Frederik Peeters conta sobre seu encontro e sua história com Cati, envolvendo o vírus ignóbil que entra em cena e muda tudo, e todas as emoções contraditórias que ele tem de aprender a gerenciar: amor, raiva, compaixão. Pílulas azuis nos permite acompanhar, sem nenhum vestígio de sentimentalismo, através de um prisma raramente (senão nunca) abordado, o cotidiano de uma relação cingida pelo HIV, sem deixar de lançar algumas verdades duras e surpreendentes sobre o assunto. Apesar da seriedade do tema, Pílulas azuis é uma obra cheia de leveza e humor. Não é à toa que é considerada por muitos a obra-prima de Frederik Peeters. Uma das mais belas histórias de amor já publicadas.
Das outras vezes em que amei, nunca senti uma real admiração. Não estou falando de fascinação ou de veneração, mas daquela admiração que inspira respeito. Como quando alguém faz alguma coisa e a gente reconhece - fazendo um biquinho e balançando a cabeça - que seria incapaz de fazer igual. Daquela admiração que nos deixa alegres e com vontade de oferecer nossa ajuda.
A HQ começa com Frederik nos contando como conheceu Cati, em uma daquelas festinhas de turma de amigos, onde nem todos são amigos. Era o caso deles. Ela o impressionava, mas ele acha que nem foi notado por ela aquela noite. Essa foi a primeira vez que eles se viram. O segundo encontro aconteceu um ano depois, por acaso, e foi Cati quem o reconheceu e puxou assunto, mas não acontece nada especial. Alguns anos depois, Frederik fica sabendo que Cati casou e teve um filho. Eles se encontram mais uma vez por acaso, e ambos estão com uma aparência nada legal. Eles não trocam mais do que cinco frases. Finalmente, em uma festa de réveillon, Frederik a vê sentada em um sofá, sozinha, deslocada, e resolve ir até lá e conversar. Ele define sua aparência como “frágil e pálida”. Durante a conversa ele descobre que ela terminou o casamento. A partir daí a historia começa de fato, com encontros, cinema, conversas, provocações, e um jantar na casa de Frederik, que resulta na revelação de Cati sobre sua condição como soropositiva, e também de seu filho. Desse momento em diante vamos acompanhar a rotina deles e o dilema de conviver com o vírus e suas consequências.
E então? É doloroso imaginar que uma doença possa ser uma sorte? Talvez ela seja seu pior azar e sua melhor sorte. Talvez ela abra seus olhos para certas coisas essenciais.
Se eu pudesse definir essa HQ em uma palavra, seria SINCERA. Frederik não usa de drama para comover o leitor, nem romantiza a doença. O que ele nos mostra é um homem tentando se adaptar a uma nova realidade. Um homem que ama, e que também sente piedade, mas se conscientiza que Cati não precisa de piedade. Frederik nos mostra o relacionamento com o filho de Cati, como a criança passa a ser especial pra ele a ponto dele ter medo de pensar em sua morte. Também vemos o lado de Cati, uma mulher que se culpa por ter infectado o filho, que teme pelo futuro da criança. Também sua relação instável com a doença, às vezes muito positiva a tudo, e às vezes desanimada e cansada da rotina de cuidados. São muitos questionamentos, mas todos muito sinceros.
Às vezes me pergunto como será sua vida. Sua adolescência. Como ele vai lidar com sua diferença. Como será sua relação com os outros. Seus amores, sua sexualidade. Será que ele terá alegrias, projetos? Sera que...
Graças a todos os questionamentos, a HQ tem uma parte informativa bem legal. Frederik consulta um médico muito humano e muito divertido, que explica coisas que todo mundo deveria saber. Ele explica, por exemplo, que HIV não se transmite como gripe, que o vírus se concentra no sangue, no esperma, nas secreções vaginais, e em menor quantidade na saliva. Usando camisinha e tomando cuidado com machucados, sem problema. Se a pessoa infectada fizer uso do tratamento, o risco de infecção some quase por completo. É algo tão simples, mas as pessoas ainda insistem em ter medo e cortar relações. Quando trabalhei com soropositivos percebi o quanto é difícil falar para alguém sobre a sua condição. Esse medo de se expor e ser rejeitado muitas vezes atrapalha o tratamento.
A edição traz um extra que mostra uma entrevista que Frederik fez com sua família 13 anos depois. Nesses quadrinhos é possível saber como todos estão lidando com a doença e os avanços da medicina. É possível ver também a evolução do traço, o que achei bem legal.
Considero essa HQ muito corajosa e importante para desmistificação do HIV, para que as pessoas percebam que é possível conviver com o vírus de forma simples e segura. Difícil mesmo é conviver com o preconceito.
Obs.: As fotos desse post são de autoria de Lene Colaço. É permitido compartilhar, desde que as imagens não sejam editadas e dê os devidos créditos.
Obs.: As fotos desse post são de autoria de Lene Colaço. É permitido compartilhar, desde que as imagens não sejam editadas e dê os devidos créditos.