Resenha: Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa

A resenha de hoje é só uma simples opinião, e será assim porque vou falar de um livro que não li. Dá pra falar de um livro que a gente não leu? Eu sempre digo que não, mas vou abrir uma exceção para o Guimarães Rosa. O motivo que me impediu de continuar a leitura é justamente o que me obriga a falar dessa obra.

Editora: José Olympio
Ano: 1974
Páginas: 202
☆☆☆

Faz tempo que tenho livros do autor na minha estante, e sempre admirei sua trajetória, seu trabalho, através de pesquisas e de elogios que sempre ouvi. Então finalmente criei vergonha na cara e peguei um livro dele para tirar minhas próprias conclusões, e escolhi começar por esse.

Primeiras Estórias é um livro que reúne 21 contos. Como nunca li nada do Rosa, não vou conseguir comparar com outras obras ou falar de seu estilo. Mas preciso dizer o que senti. A escrita dele não é fácil. É preciso ler com atenção. Há muito neologismo. Às vezes é perturbador, às vezes é poesia, e às vezes é uma poesia perturbadora. Por isso desisti do livro (na verdade, eu li até o fim, mas não li todos os contos). Não porque achei ruim, pelo contrário, achei muito rico. Tem muito do Brasil nessas estórias. E seja você de Minas ou de Alagoas, vai perceber isso. Mas não é um livro para mim. Não agora. Ainda não possuo bagagem para compreender e apreciar esses textos da forma correta.

Dos contos que mais gostei, destaco “Soroco, sua mãe, sua filha”, “A terceira margem do rio” e “A menina de lá”. Esse ultimo achei muito especial, e me tocou de uma forma que não sei explicar. Segue alguns trechos:
De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi se sentar no degrau da escadinha do carro. — “Ela não faz nada, seo Agente…” — a voz de Sorôco estava muito branda: — “Ela não acode, quando a gente chama…” A moça, aí, tornou a cantar, virada para o povo, o ao ar, a cara dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo, mas representava de outroras grandezas, impossíveis. Mas a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento muito antigo — um amor extremoso. E, principiando baixinho, mas depois puxando pela voz, ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam junto, não paravam de cantar. - Soroco, sua mãe, sua filha
Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "Eeu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já mortos, ela riu: - "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: - "Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha. - A menina de lá
Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.
Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. - A terceira margem do rio
Mesmo achando o livro bem complexo, eu o recomendo. Comecei a encará-lo como um livro que precisa ser lido mais de uma vez, em épocas diferentes da vida. E em cada leitura descobrir algo novo. Você pode achar, assim como eu achei, que não consegue se aprofundar nos contos. E eu digo: então molhe apenas os pés. À hora do mergulho vai chegar.

Obs.: As fotos desse post são de autoria de Lene Colaço. É permitido compartilhar, desde que as imagens não sejam editadas e dê os devidos créditos.

Um comentário:

  1. OI minha flor! Nem sei o que dizer porque nunca li nada do autor, mas o livro parece ser realmente muito complexo. Nao leria no momento porque preciso leituras rápidas! Mas um dia...
    Beijos,
    Monólogo de Julieta

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